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7 de nov. de 2011

História das copas


Tudo bem, lá se vão 40 anos que o Brasil conquistou o tricampeonato da Fifa e ganhou o direito de ficar em definitivo com a Taça Jules Rimet no México. O que muita gente - especialmente os mais novos - se pergunta é como o Brasil (sim, este mesmo Brasil que na última década, até conquistou Copa jogando feio para cacete, ganhando sem convencer, com escalações de "legião estrangeira", muitas vezes sem um pingo de alma...) conseguiu fazer o que fez naquela competição de 1970, onde havia craque sobrando por metro quadrado em todas as seleções presentes.

No ano de 1966, a desorganização da delegação brasileira, aliada a uma Copa muito estranha onde os anfitriões ingleses foram escancaradamente favorecidos (tanto que foram campeões), os jogos foram bem violentos, havia uma forte marcação homem-a-homem e o que valia era mais a virilidade que a habilidade - o que ficou caracterizado como o "futebol-força" - pegou mal. Era preciso o Brasil se recuperar, e se recuperar bonito. Mas, como?

Os ares da época, de certa forma, ajudaram na preparação para 1970. A então Confederação Brasileira de Desportos (CBD) começou a traçar um esquema muito mais organizado e rígido - lembremos, nessa época o Brasil estava sob o regime militar, onde qualquer coisinha era tratada como questão de "segurança nacional", aí já viu...

Botando ordem na bagaça


Para começo de conversa, o comando da delegação ficou nas mãos de um militar - Jerônimo Bastos, major-brigadeiro da Aeronáutica, que teve como auxiliar um major do Exército. Nem precisa dizer que, com isto, a rigidez e o esquema de organização característicos das Forças Armadas passaram a fazer parte da Seleção.

O Exército ficou com a missão de preparar fisicamente os atletas - missão para um grupo que tinha, entre outros, o capitão Parreira, hoje dirigindo a África do Sul. Ele mesmo, Carlos Alberto Parreira, que em meados da década de 1980 comandaria a seleção (hoje, ele é o técnico da anfitriã África do Sul). Além disso, havia mais um militar na comissão técnica: o superintendente também era um capitão do Exército, Cláudio Coutinho - que em 1978 seria técnico da equipe.

João Sem Medo


Para comandar a Seleção, bem... não colocaram um general. Colocaram um jornalista: João Saldanha, que além de ter intimidade com as máquinas de escrever e com os microfones, havia sido técnico do Botafogo. Tirando o fato que parte dos militares torcia-lhe o nariz apenas por conta de sua convicção política (Saldanha era simpatizante do antigo PCB, sendo logo tachado de "comunista", o que, naquela época, era meio caminho para se tornar desaparecido político...) não havia, em princípio, o que contestar em seu trabalho.

Uma prova foi que ele escolheu a dedo e convocou o que havia de melhor no futebol brasileiro à época - só que a escolha de jogadores foi tão criteriosa que, 40 anos depois, há quem considere que Saldanha selecionou que havia de melhor no futebol brasileiro em todos os tempos. Não foi missão fácil, pois era uma época em que os craques pareciam brotar do chão... certo é que o time ganhou o apelido de "As Feras do Saldanha" e, dizem, isto rendeu até música!

Juntando tudo, na hora das Eliminatórias, o Brasil não deixou espaço pra ninguém, passando sem grandes dificuldades pela Colômbia, Venezuela e Paraguai. Só para se dar uma ideia: a dupla de ataque era formada por Pelé (no auge da carreira!) e Tostão.

Venceu o general


Lá pelas tantas, mais precisamente a pouco mais de dois meses antes da Copa, até o general - e naquele momento presidente da República - Emílio Garrastazu Médici inventou de dar pitaco. João Saldanha não gostou nem um pouco da história do "home" pedir (entenda-se ordenar, os anos eram de chumbo!) um atacante de nome Dario - que despontava na ocasião e mais tarde se notabilizaria como "Dadá Maravilha" e "Dario Peito de Aço", e hoje eventualmente atua com comentarista na TV - e mandou, em outras palavras, o general cuidar de seu ministério, que da Seleção Brasileira quem cuidava era ele, João Saldanha. Cacetada, o homem escanteou o general! Por estas e outras Saldanha também passou a ser chamado de "João Sem Medo".

Mas, como já escreveu o jornalista caicoense Orlando "Caboré" Rodrigues, "quem tem... tem medo". Foi o que deu no pessoal da CBD: depois de uma rasgada dessas de Saldanha em cima do Presidente da República, o medo de todo mundo na entidade virar picadinho nos porões do DOI-CODI foi grande.

Juntando com outras afirmações do técnico, como a que Pelé estaria ruim da vista e coisas do gênero, acharam melhor cortar o "mal" pela raiz... e João Saldanha perdeu o cargo. De quebra, o general venceu: Dario entrou na lista final, e ficou com a camisa 20.

O Escrete de '70


Mas alguém tinha que assumir a vaga de técnico - sobrou para ele, Mário Jorge Lobo Zagallo, que fez alguns ajustes finos na base deixada por Saldanha.

Basicamente, colocou Wilson Piazza como quarto-zagueiro, ao lado de Brito; e mandou Edu para o banco, trocando-o por Rivelino.

Eis a seleção que foi para o México dois meses antes da Copa para se aclimatar à altitude - o grupo foi parar na cidade de Guanajuato, a 3 mil metros acima do nível do mar, e mais alta que as cidades-sede - e voltou com o caneco na bagagem:

Camisa Posição Jogador Time de origam
1 Goleiro Félix Fluminense
2 Defensor Brito Flamengo
3 Defensor Wilson Piazza Cruzeiro
4 Defensor Carlos Alberto Torres Santos
5 Meio-campo Clodoaldo Santos
6 Defensor Marco Antônio Fluminense
7 Atacante Jairzinho Botafogo
8 Meio-campo Gérson São Paulo
9 Atacante Tostão Cruzeiro
10 Atacante Pelé Santos
11 Meio-campo Rivelino Corinthians
12 Goleiro Ado Corinthians
13 Atacante Roberto Botafogo
14 Defensor Baldocchi Palmeiras
15 Defensor Fontana Cruzeiro
16 Defensor Everaldo Grêmio
17 Meio-campo Joel Santos
18 Meio-campo Paulo César Botafogo
19 Atacante Edu Santos
20 Atacante Dario Atlético Mineiro
21 Defensor Zé Maria Portuguesa
22 Goleiro Emerson Leão Palmeiras
 
A escalação-base era esta - Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Gérson e Clodoaldo; Pelé, Rivelino, Tostão e Jairzinho. Todos atuando em clubes brasileiros.

A campanha


O Brasil foi inserido no Grupo 3, ao lado da Inglaterra (atual campeã mundial), Tchecoeslováquia (que havia sido adversária do Brasil na final de 1962) e Romênia (que veio para "engrossar o caldo"). Traduzindo: Grupo da Morte!

A estreia foi contra a Tchecoeslováquia. Tarde de 3 de junho de 1970, no estádio Jalisco, em, Guadalajara.

De cara, um susto: os tchecos abriram o marcador com Petrás aos 11 minutos do primeiro tempo - diz a lenda que, após o gol, o atleta fez o sinal-da-cruz, tendo sido severamente repreendido em seu país (que seguia uma política socialista - e, nesta linha, filosoficamente, a grosso modo, Deus não existe, então para que sinal-da-cruz?). Treze minutos depois, o Brasil empatou com Rivelino, iniciando de vez a trajetória dos "Canarinhos" na competição; Pelé ampliou aos 14 minutos do segundo tempo, e Jairzinho marcou aos 16 e aos 36 mintutos (de quebra, "roubando" o sinal-da-cruz dos tchecos), fechando o placar em 4 a 1 para o Brasil. Pelé teria feito mais um ao "soltar uma bomba" do meio-campo... mas a bola, caprichosamente, tirou tinta da trave...

O segundo jogo foi contra a Inglaterra. Cerca de 66 mil pessoas "babavam" ansiosas nas arqibancadas em Guadalajara - o que o Brasil, bicampeão em 1962 e 1966, ia fazer contra a Inglaterra, campeã em 1966, e vice-versa? Era esta a expectativa para aquele duelo infernal ao meio-dia - o calendário indicava 7 de junho de 1970. Jogo arrochado. Só saiu um gol: obra de Jairzinho aos 19 minutos do segundo tempo, após receber passe de Pelé (que por sua vez havia recebido de Tostão).

Entre outros lances, houve a defesa considerada mais espetacular da história das Copas: Jairzinho, pela direita, ganha do marcador, vai até a linha de fundo e cruza para Pelé no "segundo pau" na grande área, que dá um pulo e cabeceia a bola no ar do jeito que vem; em fração de segundo, a bola quicou no chão na pequena área, a meio caminho do gol, e quase engana o goleiro Gordon Banks, que apara "no susto"! Placar final, 1 a zero. E ainda teve um fato curioso: o Brasil demorou um pouco a voltar do intervalo de jogo - enquanto os ingleses seguiram o relógio e ficaram suando em bicas e se desgastando sob a "lua" mexicana (ao vivo para a Inglaterra e para o mundo inteiro!), a seleção brasileira ficou o mais que pôde na "sombra" do vestiário, jogando mais "inteira" ao segundo tempo...

Em seguida veio a Romênia, no meio da tarde do dia 10 de junho. Deu Brasil, 3 a 2, o que garantiu a liderança do Grupo da Morte. Pelé abrou o marcador aos 19 minutos doprimeiro tempo, Jairzinho ampliou aos 22, Dumitrache descontou aos 34; Pelé fez o terceiro gol brasileiro aos 22 do segundo tempo, e Dembrovschi fez o segundo e último da Romênia aos 39. O fato curioso foi uma "lambança" do goleiro Radulescu, que "entregou" a bola a Pelé, que chutou de primeira-sem-segunda... se Radulescu não estivesse atento, o placar teria sido de 4 a 2 para o Brasil...

Nas quartas-de-final, houve duelo de técnicos brasileiros em Brasil x Peru - o técnico peruano era mada menos que Didi, o homem da "Folha-Seca", um chute com efeito que a bola é chutada meio de longe, dá a impressão que vai passar por cima da trave e no último instante cai de repente gol adentro, enganando meio mundo. Era o dia 14 de junho, mais um jogo marcado para o escaldante horário do meio-dia, e umas 54 mil pessoas para ver o que ia sair em Guadalajara. Rivelino abriu o marcador aos 11 minutos do primeiro tempo, Tostão ampliou aos 15, Gallardo descontou para o Peru aos 28 - intervalo, Brasil 2 a 1. No segundo tempo, Tostão fez o terceiro do Brasil aos 7 minutos, Cubillas voltou a descontar para o Peru aos 25 e Jairzinho fechou o placar aos 30. Final, Brasil 4 a 2, classificado à semifinal.

A semifinal foi contra o Uruguai, na tarde do dia 17 de junho, ainda em Guadalajara. Houve quem considerasse aquele jogo como a "Nêga" da final de 1950... Cubilla abrou o placarpara os uruguaios aos 19 minutos, e Clodoaldo empatou aos 44 - intervalo, 1 a 1. Mal sabia o Uruguai que aquele gol aos 19 minutos seria o único... no segundo tmepo, Jairzinho fez o segundo do Brasil aos 31 minutos e Rivelino fechou o placar aos 44 minutos. Final, Brasil 3 a 1 - e na final.

A grande decisão foi no dia 21 de junho. Foi o único jogo que o Brasil disputou fora de casa - a partida teve lugar no estádio Azteca, na Cidade do México, diante de mais de 107 mil pessoas! Pelé saiu na frente, marcando aos 18 minutos do primeiro tempo; Boninsegna empatou aos 37 minutos. Intervalo, 1 a 1 - mas a Itália nem imaginava que teria o mesmo destino do Uruguai, aquele gol de Boninsegna seria o único... aos 21 minutos do segundo tempo, Gerson fez 2 a 1 para o Brasil, Jairzinho fez o terceiro aos 26 e Carlos Alberto Torres fechou a campanha brasileira aos 41. Final, Brasil campeão, 4 a 1.

Fim de jogo, não havia mais o que fazer. A Taça Jules Rimet acabou sob posse defintiva do Brasil - e foi desta forma que a "Seleção Canarinho" conquistou o tri. O que ninguém poderia imaginar é que o próximo título, o tetracampeonato, demoraria longos 24 anos para se tornar realidade.. mas esta é uma outra história!

Fotos: Wikipedia, WikiCommons, ABR e Reprodução