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26 de jul. de 2011

A arca de Zé Noé!... (cordel)


Para o dilúvio no Brasil

              
Zé Noé era um caboclo
De Acauã do Piauí
Vivia mais do roçado
E com venda de piqui
Vez por outra na semana
Driblava a sorte tirana
Para ir pescar no poti.

Riqueza que possuía
Era a mulher Rosa Flor
Dez filhos da recompensa
Daquelas horas de amor
Tinha um burro e uma cadela
Além da vaca amarela
E um bezerro berrador.

Certo dia, numa tarde,
Quando estava no roçado
Ele foi surpreendido
Com um estranho chamado
Logo ali ficou atento
Com a voz vindo no vento
Que lhe fez amedrontado.

Zé Noé de faca empunho
Com olhar arregalado
Que nem prear no balseiro
Esperou o resultado
Nisso o vento soprou forte
E a voz com grande porte
Expressou-se de seu lado.

Zé pulou quase três metros
Desfiando o vento a faca
Cortou rama ao seu redor
Ainda quebrou estaca
E a voz disse: calma Zé!
Sou um anjo tenha fé
Perda o medo que lhe ataca.

Zé do susto ainda zangado
Cuspia a masca que tinha
E indagou que arrumação
Nestas horas me avizinha?
A voz sobre um clarão
Disse: o Pai da criação
Sabe tudo não advinha.

"Você foi o escolhido
Santo Deus sempre lhe viu
Tem as boas qualidades
Que ao homem Ele pediu
Vai construir uma barca
Igualmente aquela arca
Que seu xará construiu.

Zé Noé coçou a barba
Respondeu: está brincando
Eu não tenho estrutura
Vivo quase mendigando
Tem gente aí com riqueza
Pra fazer está surpresa
Que está premeditando.

Disse o anjo: a riqueza
Resplandece vaidade
Nela contém ambição
Orgulho e desigualdade
É igual quem tem poder
Faz o fraco padecer
Esquece a fraternidade.

Zé Noé: mas é certeza
De tudo isso se inundar?
Disse o anjo: tens razão
Desse plano duvidar
Deus da bondade cansou
De vê o que não ensinou
O Brasil vai se acabar.

"Este país que comunga
De Cristo a sua doutrina
Vive na libertinagem
É outra Sodoma fina
Até mesmo no sertão
Infiltra a devassidão
Nesta terra genuína.

Igrejas se multiplicam
Que a conta Ele perdeu
Nelas os falsos profetas
Transmitem o que não leu
E se leu as escrituras
Não pregam pras criaturas
A verdade que aprendeu.

São os comércios da fé
Quase todas com certeza
De mercenários que pregam
Pela busca da riqueza
São hipócritas, fariseus!
Vendem o filho de Deus
Quem mais sofre é a pobreza.

Na política esta questão
Se reflete em gravidade
Prometem como sem falta
Mas faltam a sinceridade
Nesse toma lá me dão
A pobre população
Vive na necessidade.

No entanto, o santo Pai
Decidiu com seu Conselho
Fazer a grande reforma
Teve o Brasil como espelho
Vai inundar por descontente
Depois cada continente
Sofrerá do mesmo relho.

Você Zé tem compromisso
Pra que haja outro Brasil
Pois daqui a quatro anos
Nosso Pai será hostil
Trabalhe nesta missão
Até mais meu grande irmão!
Numa luz se foi a mil.

Zé Noé voltou pro rancho
Matutando o que fazer
Lhe passava na cabeça
Que não podia entender
E bastante comovido
Pra mulher todo ocorrido
Fez também ela saber.

Ligeiro o tempo passava
Zé ficando envelhecido
Rosa vendo o sofrimento
Daquele pobre marido
Disse-lhe que desespero
Faça o jeitim brasileiro
Tenha seu tempo vivido.

Zé assim se despertou
Foi viver mais sossegado
Passando o tempo e ele
Dava esse caso encerrado
Mas sem menos esperar
Lá veio o anjo cobrar
E Zé Noé enrascado.

Disse o anjo: cadê Zé
A arca para a missão?
Respondeu-lhe fui ao banco
Resolver esta questão
Por eu viver na pobreza
Empréstimo não foi surpresa
Negaram-me com razão.

Além disso, me cobraram
Licença da prefeitura
Fui tirar um alvará
Foi à taxa uma amargura
E por cima um tal cachê
Pro prefeito Jussiê
Ter nova candidatura.

Depois fui à madeireira
Pra comprar no crediário
Me pediram o CPF
Um fiador empresário
Mas na minha região
Só conhecia um cristão
Que é seu santo vigário.

Mas não perdi minha fé
Fiz que seu padre mandou
Comecei prender os bichos
Logo o IBAMA chegou
Me meteram na prisão
Pense a terrível questão
Que o senhor anjo arrumou.

Seu padre era advogado
Me pôs na condicional
Vendo então uma floresta
Pra arca o grande ideal
Fui cortar árvore escolhida
Mas o IBAMA fez batida
Numa brites florestal.

Disse o fiscal: ô sem terra!
Você é muito insistente
Não faz reflorestamento
Dá corta a rica semente
Não tem plano de manejo
Pois sabe aonde te vejo?
É na prisão dissidente.

Com eu tava em agravante
Sentia das grades o cheiro
Pois matei o desgraçado
O corpo enterrei ligeiro
A arca eu fazia oculta
Mas veio o CREA com a multa
Por eu não ter engenheiro.

Continuei meu trabalho
Tinha missões aos janeiros
Logo fui surpreendido
Por dois sujeitos grosseiros
Era lá do sindicato
Cobrando como de fato
Contratar seus marceneiros.

E a Receita Federal
Em seguida fez surpresa
Falando em uns tais sinais
Exteriores de riqueza
E depois que conversaram
Em seguida me multaram
Pra aumentar minha tristeza.

Logo o Corpo de Bombeiros
Também veio pra inspeção
Um sistema de incêndio
Cobraram pra prevenção
O jeito foi subornar
Para poder continuar
A sofrida construção.

Por fim do Meio Ambiente
Apareceu um fiscal
Me cobrando o Relatório
De Impacto Ambiental
Mostrei o Brasil no mapa
Fui pro hospital da Lapa
Que é de débil mental.

Zé Noé chorando muito
Vendo o céu relampejar
Disse ao anjo: acabei tudo
Que pude economizar
E por ser tão perseguido
O projeto foi falido
Me perdoi deu fraquejar.

Nisso o céu foi clareando
Zé ainda amedrontado
Perguntou-lhe: e o Brasil
Não vai mais ser inundado?
Das nuvens uma voz bradou:
Alguém já veio e afundou
Vá viver Zé sossegado.
         
 
  
Guaipuan Vieira